No livro que estou lendo há algumas passagens fantásticas onde o autor fala sobre alguns hobbies que, muitas vezes, não são levados em consideração quando se fala em passar o tempo:
“Não é curioso que em muitos de nossos hobbies brinquemos de satisfazer uma ou outra de nossas necessidades animais fundamentais – por comida, abrigo ou mesmo vestimenta? Assim, algumas pessoas fazem tricô, outras constroem objetos com restos de madeira e muitos de nós “preparamos” nossa alimentação – cultivando uma horta ou caçando, pescando ou procurando o que comer.
Gostamos de pensar em nós mesmos como auto-suficientes, nem que só por algumas horas no fim de semana, mesmo quando cultivar a própria comida signifique gastar o dobro do que comprá-la na loja.
Brincar de auto-suficiência assume formas diferentes em pessoas diferentes e é possível saber muito sobre alguém pela escolha de seu tipo de hobbie: se é atraído pela paciência e solidão típicas do pescador, pela matemática de se construir algo, pela emoção da caçada ou pelo diálogo, às vezes cômico, estabelecida com outras espécies num jardim.
Cultivar um jardim ou uma horta é uma forma de se estar na natureza. Nos habituamos a ver a natureza como um lugar essencialmente benigno, que atende aos anseios humanos (por alimentos saborosos).
Num jardim ou numa horta acabamos pensando em tudo o que cresce ali como sendo de nossa propriedade, já que são frutos do trabalho que realizamos na nossa terra. E iremos encarar os residentes daquele pedaço de terra, que não convidamos, como “pragas”. Quem cultiva uma horta é um dualista por natureza, divide seu mundo em duas categorias: terra cultivada e natureza selvagem (ervas daninhas, pássaros, insetos, etc).” Trecho extraído do livro O Dilema do Onívoro.
Tentei cultivar uma horta certa vez. Comecei bem, preparando a terra, semeando, regando todos os dias. Tentando realizar o controle das pragas, sem o uso de produtos químicos. Obtive certo êxito, pude colher alfaces, rúculas, coentro, cebolinhas. Mas aí os afazeres (outros afazeres) foram aumentando e consequentemente diminuindo o tempo de que eu dispunha de cuidar de minha horta. Resultado: o mato tomou conta. As “pragas” venceram. Tentei então diminuir a escala e comprei alguns vasos para cultivar ervas dentro de casa (coentro, cebolinha, manjericão), para poder ter um tempero fresco sempre à mão. Só que diminuí demais a escala e sempre que eu necessitava, ou já tinha acabado ou ainda estava cedo demais para colher. De forma que agora, sempre que preciso, obrigatoriamente tenho de recorrer ao supermercado.
Mas a experiência de cultivar seu próprio alimento é fascinante. Faz com que nos sintamos no controle. De alguma coisa pelo menos, já que invariavelmente as coisas dificilmente são do jeito que gostaríamos.